MotoGP à Lupa, 2020: 6 – A transmissão

Por a 12 Dezembro 2020 17:00

O papel da transmissão, da caixa à relação final, é fulcral no desempenho em pista e no entanto, pouco compreendido

As relações da caixa são passíveis de alteração quase infinita

A transmissão é o conjunto que liga o motor às rodas, um grupo de componentes muitas vezes pouco compreendido, mas absolutamente essencial no desempenho de uma moto e na toda-importante adaptação e adequação da máquina ao circuito e ao estilo de condução do piloto.

O conjunto começa pela relação primária, ainda antes da embraiagem, que desliga o movimento do motor da roda traseira ou permite introduzi-lo gradualmente na fase de arranque.

Depois temos a caixa de velocidades, que no caso da MotoGP tem 6 relações, embora no passado, especialmente nas classes pequenas de 50 e 125, devido à necessidade de aproveitar a estreitíssima faixa de utilização do motor, chegassem a ter 14 relações!

As relações da caixa são passíveis de alteração quase infinita, sendo um máximo de 24 rácios permitidos em qualquer combinação, mudando as cremalheiras que a compõem, que são montadas estilo cassete variável, ou seja o veio das relações pode ser extraído por uma tampa lateral do motos com o mínimo de desmontagem de componentes, para permitir adequar a moto às exigências do circuito.

Normalmente, no entanto, na primeira instância isto é feito adequando a relação final através da cremalheira/pinhão de ataque, sendo o objetivo, primeiro, ter rotação na reta mais longa do traçado e depois, afinar para a curva mais lenta ou mais difícil, para que o piloto continue a ter boa aceleração em baixa e saída imediata.

Depois de acertar portanto primeira e sexta, as outras relações vão por aí fora sendo que em sexta nunca deve esgotar completamente na reta mais rápida para não esforçar indevidamente o motor, os pontos mais finos da relação que não possam ser adequados pela relação de pinhão e cremalheira começam a ser tratados  pela caixa.

Qualquer amador que já praticou todo-terreno sabe que uma cremalheira mais pequena nos tira aceleração e dá velocidade de ponta, e uma cremalheira maior tira alguma velocidade de ponta, mas aumenta a sensação imediata de aceleração inicial como numa moto de Cross. Isto é igual numa moto de pista.

No ajuste final ideal, a sensação do motor não devia estar nem longa demais, quando não se chega a utilizar sexta de todo na maior reta do circuito, nem curta quando estamos a atingir o limitador, mas ainda temos uma porção de reta pela frente.

A informação crítica que é tida em conta a seguir é qual é a mudança baixa necessária para sair da curva mais lenta em potência sem hesitações ou soluços do motor.

Hoje em dia, as motos de MotoGP utilizam extensamente primeira, ajudadas pelos controlos de tração e pela eletrónica, quando no passado, devido à violência da aceleração inicial, os pilotos preferiram manter segunda, mesmo perdendo um bocadinho à saída, do que arriscar uma chicotada em aceleração a sair da curva. Com a relação correta selecionada, a primeira dá uma gama até cerca de 100 quilómetros por hora, que lida com a maioria das curvas lentas em MotoGP, mas ao mesmo tempo providencia uma boa faixa de aceleração, para o piloto não ser forçado a passar de caixa em plena inclinação a meio de uma curva, por exemplo.

Assim a relação da caixa e cremalheira selecionadas são absolutamente essenciais para adequar o desempenho do motor, em conjunção com a eletrónica, às características do circuito, às preferências do piloto e até às condições da pista. Logicamente, se a aderência não for ideal, queremos conseguir através da combinação de eletrónica e relação final saída mais suave e menos violenta.

Ao mesmo tempo, temos que levar em consideração que, quando usamos uma cremalheira maior, para baixar a relação final, mudamos a inclinação da corrente e alterarmos o grau de afundamento que é provocado sobre aceleração, chamado pro-squat, pois tende a comprimir a suspensão sob aceleração.

Por aqui se vê que qualquer pequena mudança na afinação vai ter uma influência na sensação e reações da moto, e portanto todas têm que ser consideradas em conjunto.

Até a relação primária do primeiro veio que transmite movimento à embraiagem pode ser alterada, havendo quatro opções, e a sua alteração vai condicionar o desempenho de todos os outros elementos na transmissão.

Como tudo na MotoGP, trata-se sempre dum compromisso entre os vários parâmetros que dão sensação ao piloto que lhe permita ter confiança no conjunto. Aqui cabe uma palavra também aos sistemas electrónicos de shifters ou passagem de caixa, na verdade um pequeno interruptor ligado ao veio seletor que corta momentaneamente, durante alguns milissegundos, a ignição, aliviando as engrenagens e permitindo ao piloto passar diretamente de caixa sem utilizar a embraiagem.

Isto, cada vez mais utilizado em desportivas topo de gama também, permite salvar uns centésimos de segundo em cada passagem, que ao fim de uma volta se traduzem, claro, em tempo útil a menos por volta.

Na MotoGP, as equipas são autorizadas a ter 24 relações de caixa diferentes o que equivale a dizer quatro por cada mudança, embora normalmente só a sexta, primeira, segunda e terceira são alteradas com frequência.

Porém quando o fabricante sabe que tem uma dificuldade particular numa relação essa divisão não tem que ser linear, ou seja das 24 autorizadas podia escolher ter cinco relações de primeira e cinco relações de sexta e depois só as restantes 14 ao longo das restantes mudanças.

Finalmente, já mais no campo da eletrónica do que propriamente das relações, a travagem motor, que também é influenciada pelas relações de caixa, pode ser alterada electronicamente pela curva de ignição e conectada ao GPS, que sabe onde a moto está em cada ponto da pista, para a adequar a cada curva e também ao ângulo de inclinação da moto… mas isso já é mais no campo da eletrónica que na mecânica e deixaremos para outra altura!

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