Olhamos hoje as tropas oliveiristas e de imediato nos apercebemos de que grassa por ali uma crença advinda do guerreiro que lhes inspira aposta e confiança.
Quer dizer … para além do habitual desejo de ver um português no topo, condimento infalível na receita de recuperação da moral em tempos difíceis como estes que atravessamos, existe assim como uma espécie de fezada interior, de inexplicável e imediata aquiescência na afirmação proferida pelo mais rápido cidadão do Pragal e todos os arredores, quando nos diz que se vê um dia no trono do universo do MotoGP.
Ousada demanda, dir-se-ia!
Em tempos relativamente idos, não tão longínquos que tenha esquecido algo de precioso que um imperdível romance que li me trouxe, tive eu a fortuna de acompanhar a demanda de um outro homem, gente de Trancoso e de sua graça Fuas de Bragatela, que nos idos do século XIV buscando um simples mas valioso tesouro viria a encontrar o amor.
Perdoem-me esta alusão que poderá soar-vos estranha, mas tomem-na como a minha assumpção de que vos interessará a conclusão final, mais ainda tomando por certo que o saber não ocupa lugar.
De facto, apontando em direcção a apetecível e valioso retorno, sinuosos sendo os caminhos do destino, viria o principal personagem a ver-se recompensada com algo maior que um tesouro meramente terreno, tropeçando em algo simplesmente incomensurável como é afinal o amor.
Por isso mesmo, apenas e somente por tal, vos mencionei a imperdível jornada de Dom Fuas, porque olho a Oliveira e comparo-lhe sua demanda pelo título de campeão do mundo em MotoGP, coisa de inegável e incalculável dimensão, com a busca do tesouro que seduziu o nosso homem dos idos de mil trezentos e troca o passo, acabando ambos por receber em dádiva e recompensa por sua labuta recompensa maior ainda, se tal é possível quando falamos de proeza assim.
De que falo?
Mentalidades, senhor, é de mentalidades que vos falo.
Miguel, mais do que ser o mais rápido, para além de nos hipnotizar e deixar em êxtase com seu dom de chegar em primeiro lugar à bandeira de xadrez, traz em si a oportunidade maior de despertar de vez um povo que se foi deixando adormecer na monotonia de dias e dias a mastigar rivalidades assoberbadas e francamente dispensáveis.
Digamos que foi como pegar em tardes de repetidas exaltações domingueiras e transformá-las em longos fins-de-semana a começar às sextas-feiras ali pela fresquinha para terminarem dois dias depois a seguir ao almoço, tudo com o doce sabor da adrenalina instalando-se na corrente sanguínea e diluída em suspiros de deliciosa emoção.
Mantendo-nos neste amparo literário para nos ajudar a levar-vos a mensagem pretendida, dir-vos-ia que o Falcão, esse nosso enorme Miguel Ângelo, sintetiza a exaltação pátria, o fervor histórico e a comoção lusitana descrita por Luis Vaz de Camões em dez longos e irrepetivelmente belos Cantos, sintetiza tal dizia eu, em quatro sessões de treinos livres, uma warm-up e uma corrida, onde tomos velejamos bravos na conquista dos quatro cantos do mundo, assim a Dorna mantenha o calendário.
Dir-me-ão, o que aceitarei com a humildade e a certeza de que apenas com o debate nasce a luz, que exagero em minha análise.
Não o creio, no entanto.
Se vencer o Mundial de MotoGP elevará Miguel Oliveira à condição de ícone do desporto, já a possível cruzada de pegar em centenas, milhares, quem sabe até em milhões de portugueses, e levá-los à viagem maior que é a de acompanhar todos os lusos que em seu esforço, persistência, crença, trabalho e devoção elevam a condição de atletas de raríssima qualidade a exemplos de personalidades a seguir.
Não será Oliveira o primeiro a atingir patamares de elevada e altíssima exigência, mas não poderemos negar que ao actuar num espaço onde apenas cabem cerca de vinte dos mais refinados e dotados pilotos do mundo, do universo e de todos planetas em redor, então o predador almadense merecerá ao menos o crédito e a gratidão por ter escolhido ser grande numa modalidade que em Portugal é amada por milhares e desprezada por quem apenas se coloca em bicos de pés na hora de aplaudir à chegada e dividir as luzes da ribalta, luzes essas que são, ainda e esperemos que por pouco tempo, tão fugazes e pouco duradoiras para com heróis desta estirpe.
Olhamos hoje às tropas oliveiristas, como iniciei esta prosa, e nela vemos gente nova, que chegou com vontade de ficar e de fazer parte da história que agora se desenha com traços cada vez mais ousados, sem rebuço me incluo nos recém-chegados, com o orgulho e a certeza de em boa hora ter alargado meu horizonte de seguidor e apaixonado adepto.
No início dos escritos, com a ajuda preciosa de grupo de amigos que nisto andam há muito, fui tratando de absorver informação e, mais do que isso, muito mais mesmo, fui ganhando e criando meus tiques de imperdível estimação, como sejam o de sair à rua e tecer loas a um menino de sorriso voador, ângulos certeiros e um punho teimosa e certeiramente enrolado, desgastando pneus e pegando na brandura de nosso ânimo o levando ao rubro incandescente de soldados da fé.
Escreveria Camões, estou certo, assim estivesse por aqui:
‘E por curvas feitas com pundonor
Foste Oliveira o nosso vencedor’
Escreveria Paulo Moreiras, pai (salvo seja) do Dom Fuas de Bragatela:
‘E às curvas se atiraria desembestado e de coragens soltas o almadense, cuidando infinita sua certeza d’arribar d’antes c’os demais …’
Dezembro chegou, mais uns diazinhos e já se sabe, mete-se o Natal, depois o Ano Novo e então aí só lá para Janeiro, em chegado o ano da graça de 2021 vamos adiando, protelando, até que desmontamos e empacotamos a árvore, olhamos ao sapatinho a ver se o barbudo nos deixou ao menos a vacina, tempos loucos estes de pedir na chaminé uma pica, chegará logo Fevereiro e com ele os testes, correremos à cozinha a desempacotar a chávena da sorte e finalmente poderemos vislumbrar no calendário a primeira sexta-feira com horários de sagrada observação de cronos e de uma mancha alaranjada com o nº 88.
E eu, fiel escriba vosso e do Miguel Ângelo um singelo e apoiante de entre tantos, eu que já tanto vos macei por aqui trazendo coisas de mundos de aquém e de além motos, pois eu apenas me atreveria a puxar agora das palavras da canção e cantarolar um desejo.
‘O que faz falta é avisar a malta, o que faz falta … ‘
E assim seremos mais e mais a cada dia.
Até sermos todos, ou quase todos!
Vamos lá?