Nuno Caetano, o português no TT Ilha de Man: “É bom ainda haver lugares onde se pode exercer a liberdade de correr riscos”

Por a 19 Dezembro 2015 17:34

Não conhecemos uma única pessoa, que tenha entre os seus interesses o desporto motorizado, que não sinta fascínio pelo Tourist Trophy da Ilha do Man. Tendo em conta que lá temos um português que pode contar ‘conta como é’, decidimos republicar excertos duma entrevista feita há algum tempo a Nuno Caetano, um português que se aventura na Ilha do Man, para quem o ler, ficar a perceber um pouco melhor o porquê dos pilotos ali arriscarem a vida, trazendo de lá uma experiência que muito poucos algum dia poderão viver…
Entrevista a Nuno Caetano, um português que se ‘aventura’ no TT Ilha do Man

“É bom ainda haver lugares onde se pode exercer a liberdade de tomar riscos!”

É sob este mote que Nuno Caetano explica a atração pelo Tourist Trophy da Ilha do Man, uma das mais famosas provas de motociclismo do mundo onde a coragem e a perícia são vitais para a… sobrevivência!

A Tourist Trophy na Ilha do Man é a prova mais ‘apetecida’, mas também e para muitos a mais perigosa do mundo, em termos de motociclismo. Todos os anos, a pequena Ilha de Man, de 572 quilómetros quadrados, situada no Mar da Irlanda, (entre Inglaterra e a Irlanda do Norte), fica lotada por pilotos e aficionados que se juntam para ver as motas a acelerarem nas estradas da ilha, nalguns locais a mais de 300 km/h! Nuno Caetano foi, este ano (2013), o único português a competir na mítica prova, tendo-se classificado por quatro vezes, com classificações entre o 33ª e o 43º lugar. Posições que o próprio, reconhece serem modestas, mas que se explicam, segundo Nuno Caetano, pelo facto de estar a competir com a nata do motociclismo de estrada.
Que balanço faz da sua participação?
Positivo. Desportivamente, os resultados absolutos são relativamente modestos, mas tenho de ser realista e ter em mente que estou a competir com a nata do ‘road racing’ internacional, muitos deles profissionais e com estruturas e maquinaria muito mais competitivas. O TT demora pelo menos três anos a aprender, por isso há tempo para melhorar.

É dos poucos portugueses que já participou nesta prova. O que é que o fascina na Ilha de Man?
A prova é única. Cada volta soma mais de 60 quilómetros, atingem-se velocidades de 300 quilómetros por hora e médias, por volta, acima dos 200 quilómetros por hora. Tudo isto em estradas secundárias e de montanha. Não há mais lugar nenhum no mundo em que se possa fazer isto!

Um documentário francês diz que o TT é, acima de tudo, uma questão filosófica, no sentido de ser contra-corrente, de contrariar tendências e convenções e ser um dos maiores desafios desportivos aos limites da resistência humana. Concorda?
Concordo, em parte. O mundo atual está cada vez mais hermético e obcecado com a segurança em todas as suas formas. É bom ainda haver lugares como a Ilha de Man e provas como o TT, onde se pode exercer a liberdade de correr riscos. Por outro lado, resisto sempre a tirar grandes implicações filosóficas do que, no fundo, é um conjunto de pessoas a andar depressa de mota.

Como se explica o fascínio pelas ‘road races’? É nas corridas de estrada que está a essência mais pura, a alma do motociclismo?
Houve um piloto que resumiu bem esta questão, dizendo que, se as corridas de pista são como o montanhismo, as de estrada são como o montanhismo, mas sem corda. O grau de perigo, obviamente, é maior, o que faz com que as sensações que daí se retiram, eventualmente, também o sejam. Isto não é, de todo, linear, cabendo a cada um escolher o nível de risco que está disposto a assumir. Para muitos, a pista chega. Para mim, não!

O TT é extremamente perigoso, com um número elevado de acidentes mortais. A Cadena Ser entrevistava o espanhol António Maeso (antes do acidente que o atirou para o hospital de Liverpool, em estado muito grave) e fazia uma pergunta que impressionou: como é participar numa competição em que a probabilidade de chegar ao fim sem vida é de 3%?
Não se pode pensar nas coisas dessa forma. Rodam-se milhares de quilómetros de corrida sem que haja um único acidente. Se formos a ver, a probabilidade de morrer de ataque de coração é de 20%, de cancro 16.67%, etc.. Não quero com isto dizer que não é uma atividade de alto risco, porque o é. Daí que, para aqui se andar com segurança, é preciso uma combinação de experiência, preparação e, sobretudo, muito bom senso em cima da mota.

Como descreve o ambiente que se vive em torno da prova? É verdade que os locais acolhem em suas casas pilotos e espetadores numa atmosfera ímpar?
A Ilha de Man é, sem dúvida, um lugar especial, também nesse sentido. Os locais são ímpares e as pessoas incansáveis a receber turistas e visitantes. A ilha está habituada a ficar, durante o TT, literalmente a ‘rebentar pelas costuras’. A oferta hoteleira não é suficiente. Logo, são os particulares a prontificarem-se a resolver o problema.

Outra das características é a importância da rádio na prova. Com um circuito de mais de 60 quilómetros, não há transmissão televisiva. São aos milhares os espectadores com transístores…
Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, há um grande respeito pela tradição e as corridas sempre foram transmitidas pela rádio. Em segundo lugar, tecnicamente, não é fácil seguir em direto e pela televisão uma prova cuja volta mede 60 quilómetros. Eventualmente, de helicóptero seria possível, mas a perspetiva não seria a melhor. Eventualmente, passaremos a ter o TT em directo e em HD. É apenas uma questão de tempo.

Como descreve o circuito? Dizem que é parecido com o antigo Vila Real (aliás, Vila Real já fez parte do campeonato TT e o mítico Joey Dunlop correu na Princesa do Corgo no início da década de 80). Como é que o memoriza?
Infelizmente, nunca rodei em Vila Real, pelo que não posso comparar. O circuito, muito resumidamente, é uma ida da capital, Douglas, até Ramsay, do outro lado da ilha, pelo meio da floresta, com retorno pela estrada de montanha. Os lisboetas podem imaginar uma ida pela serra de Sintra, com regresso pelo Cabo da Roca. Eu, no primeiro ano que cá vim, fiz umas 40 ou 50 voltas de carro, entremeadas com visionamento de vídeos onboard e voltas na Playstation. Parece básico, mas ajuda mesmo.

Hugo Monteiro e José Bastos/Renascença; Foto Facebook de Nuno Caetano/Paul Marriot

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